Em conversa com o Expresso, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), António Nunes, traça um cenário negro e queixa-se do subfinanciamento por parte do Estado.
Falta dinheiro, equipamentos, estratégia. Os bombeiros estão revoltados com o alheamento do poder político dos seus problemas e vão reunir-se em congresso para discutir comando, financiamento e operações.
“Se nada for feito, corremos o risco de, em 4 anos, não termos bombeiros”, avisa António Nunes, presidente da Liga de Bombeiros.
O principal problema é o “o subfinanciamento das associações de bombeiros, que está a colocar em causa a estabilidade das corporações”, afirma aquele dirigente.
Em 2023, os bombeiros vão dispor de 31,7 milhões de euros, o que representa um aumento de 6,7% no financiamento do Estado, mas este valor “é insuficiente”, esclarece Nunes.
“Só o aumento do salário mínimo nacional vai provocar um aumento de 8 milhões na despesa e o subsídio do Estado apenas cresce 2 milhões”, exemplifica o presidente da LBP. Acrescem os custos “no fardamento, nas viaturas e noutros equipamentos”.
As dificuldades financeiras já se fazem sentir no recrutamento e estão por “constituir 77 equipas de intervenção permanente”, afirma António Nunes.
A criação destas equipas, em que as despesas são repartidas entre a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e as autarquias, está atrasada e ainda longe de atingir as 750, que representariam 3750 bombeiros profissionais. Nesta altura funcionam 620 equipas e “algumas autarquias atingiram o limite de financiamento aos bombeiros e estão a recusar novos protocolos”, adianta Nunes.
É o caso dos 15 concelhos da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela que decidiram não criar mais equipas “enquanto as condições de financiamento não forem alteradas”, afirmaram em comunicado.
Há ainda “dificuldades de recrutamento, porque não há uma carreira consentânea com as responsabilidades, criando desigualdades com outros agentes de proteção civil, que recrutam os operacionais das corporações de bombeiros”, acusa Nunes.
A LBP defende a revisão do Estatuto do Bombeiro Voluntário “para poder ser atrativo para os jovens” e facilitar o recrutamento.
As corporações de bombeiros são o principal suporte da Proteção Civil, “estrutura que não tem capacidade operacional e que impõe aos bombeiros a resposta aos diversos incidentes”, lembra António Cruz, comandante dos Bombeiros Municipais de Viana do Castelo e secretário da Mesa dos Congressos da LBP. “Responsabilidades, para as quais não garantem os meios”, sintetiza António Cruz.
Entre as despesas que os bombeiros estão obrigados a suportar estão os custos logísticos de todas as operações de socorro. António Cruz exemplifica com o fogo de Ourém, no último Verão, em que a corporação de bombeiros “teve que pagar 200 litros de lubrificante para uma máquina do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, envolvida nas operações”.
Motivos que levam os bombeiros a reclamar uma “clarificação” na hierarquia e a exigir a criação de um comando próprio, que possa “participar nas decisões que dizem respeito aos bombeiros”, adianta António Cruz.
O Expresso sabe que o Ministério da Administração Interna está a estudar o financiamento dos bombeiros através das câmaras municipais. As autarquias seriam financiadas para garantir a proteção de pessoas e bens e suportariam as despesas das corporações de bombeiros.
A opção não desagrada à LBP que vê nesta possibilidade “uma solução, desde que ponderadas as diferenças de riscos nos diversos concelhos”, diz o comandante dos Bombeiros Municipais de Viana do Castelo.
Porém “nunca se avançou no índice de risco dos municípios e as corporações são financiadas pelo número de ocorrências”, explica António Cruz. E é este modelo que “está na origem das dificuldades de funcionamento das corporações”.
O presidente da LBP lamenta “a falta de uma visão estratégica para os bombeiros, com desinvestimento permanente, para justificar a criação de agentes alternativos”.
Além dos fogos, os bombeiros respondem ainda a acidentes e a emergências médicas. O Instituto Nacional de Emergência Médica coloca ambulâncias nos quarteis dos bombeiros e financia meios humanos e materiais.
Todavia, “o mau funcionamento da emergência pré-hospitalar e do transporte de doentes urgentes, com uma gestão desastrosa dos meios de socorro disponíveis, é uma realidade que se agrava a cada dia que passa”, acusa o presidente da LBP.
Além das verbas transferidas por Estado e autarquias, o grande financiador das corporações de bombeiros tem sido o transporte de doentes.
Também aqui “os pagamentos às corporações de bombeiros pelos serviços prestados não incluem os custos reais e são feitos de forma irregular”.
Nunes defende que o financiamento “deve englobar toda a atividade dos bombeiros e ser repartido pela Proteção Civil, Instituto Nacional de Emergência Médica e câmaras municipais”. Um fundo “comum” a partir do qual seriam financiadas as corporações de bombeiros de “acordo com os riscos que enfrentam”, defende Nunes. Solução que evitaria “o afundamento orçamental, que está a colocar em risco a sobrevivência das corporações de bombeiros”, assevera o presidente da LBP.
O congresso extraordinário dos bombeiros está marcado para março e na ordem de trabalhos constam “as medidas que possam ser tomadas, caso os anseios dos bombeiros, para melhor servir Portugal e os portugueses, não sejam reconhecidos por quem de direito”.
Fonte: Artigo publicado no Jornal Expresso, em 29 de novembro de 2022.